Seguidores

30 de novembro de 2016

ABC F. C. - A volta ao mundo em mais de 100 dias

A Excursão.

No ano de 1973, após conquistar o tetracampeonato potiguar, para variar, em cima do rival América (4 x 2), o ABC F. C. partiu numa excursão, de 108 dias pela Europa, Ásia e África, se transformando no clube de futebol a permanecer maior tempo fora do Brasil, um feito que entrou para história do esporte nacional. Marca esta que colocou o time mais querido no Guiness Book, o livro dos recordes, como o clube que passou mais tempo fora do país. A equipe entrou em gramados da Europa, da Ásia e da África. Ao todo, foram 24 partidas, com sete vitórias, 12 empates e cinco derrotas, ficando invicto nas últimas 14 partidas.

Elenco do ABC posando para foto
em jogo em Kampala, na Uganda (Foto: João Telino)















A delegação alvinegra deixou Natal em 17 de agosto e retornou no dia 6 de dezembro do mesmo ano (112 dias com viagens aéreas e terrestres), foram 102 dias fora do Brasil - há quem aponte 104, 108 e até mesmo 112, totalizando as viagens de ida e volta. Os jogos foram realizados em nove países - Turquia, Grécia, Romênia, Iugoslávia, Tanzânia, Uganda, Somália e Etiópia.


A viagem, no entanto, não teve motivo nobre. Por escalar os jogadores Nilson, Rildo e Marcílio de forma irregular, em um jogo do campeonato Brasileiro de 1983, contra o Botafogo do Rio de Janeiro (ABC 2 x 1 Botafogo), o Alvinegro acabou punido pela Confederação Brasileira de Desporto (CBD) – atual Confederação Brasileira de Futebol (CBF).  A punição foi considerada a mais severa do futebol brasileiro até o momento. Antes, a liberação dos atletas era feita por telefone e até a sexta-feira, o ABC não tinha recebido nenhuma informação se alguém estava punido.

A excursão foi promovida graças à amizade do então presidente da Federação Norte-rio-grandense de Futebol, João Machado, com o todo poderoso da CBD à época, atualmente CBF, João Havelange, com certeza, como consolo a punição aplicada.


A delegação abecedista era chefiada por Jácio Fiúza e formada ainda pelo técnico Danilo Alvim, o supervisor José Prudêncio Sobrinho, o médico Sérgio Lamartine, o fisicultor Sebastião Cunha, o massagista Zózimo Nascimento e o jornalista Celso Martinelli, da Rádio Cabugi.


Da viagem participaram os goleiros Veludo, Erivan, Floriano e os jogadores Sabará, Edson, Telino, Walter Cardoso, Anchieta, Wagner, Soares, Baltazar, Valdecy Santana, Maranhão, Libânio, Alberi, Morais, Danilo Menezes e Jorge Demolidor.

Arquivo pessoal: Ribamar Cavalcante



Os saudosos Erivan e José  Prudêncio, e Floriano.
Arquivo pessoal: Ribamar Cavalcante















Provavelmente nenhum outro clube do Brasil tenha tido manifestação igual à prestada à delegação do ABC, pela sua imensa torcida, na chegada da delegação em Natal. Nada superou o aglomeramento humano presenciado depois que o caminhão de bombeiros recebeu os jogadores abecedistas. 

O percurso de alguns quilômetros entre Parnamirim e a sede do ABC, na rua Potengi, foi vencido em mais de três horas, sem que o veículo pudesse progredir mais do que o simples passo normal de uma pessoa.


Enquanto isso, em frente à sede do alvinegro uma multidão impressionante aguardou, pacientemente, a lenta trajetória do carro que conduzia os recordistas brasileiros no exterior. No palanque, dirigentes da Junta Governativa, imprensa, autoridades e familiares dos jogadores e demais integrantes da delegação, esperaram pela delegação para os aplausos da torcida. Houve discursos, abraços, choros, lances de grandes emoções e a "frasqueira" dançou ao som do hino do ABC.


Jogadores do ABC no retorno da equipe à Natal (Foto: João Telino/ Acervo)















Registros da excursão:


A Revista Placar dedicou três páginas à excursão do ABC. A reportagem, assinada pelo correspondente em Natal, Rosaldo Aguiar, trouxe o seguinte título: O ABC do Futebol Brasileiro.


Depois do jogo contra a seleção da Tanzânia, no dia 03 de dezembro, um emissário do Governo de Uganda se apresentou no vestiário do ABC e propôs mais uma partida, pagando o triplo da cota: três mil dólares. O chefe da delegação ofereceu a metade do dinheiro para o time mas os jogadores recusaram. Queriam porque queriam voltar pra casa.


Na estreia, na Turquia, o ponta Libânio foi escolhido o melhor da partida. Botou o lateral pra dançar. Terminada a partida, a comissão técnica foi procurada por um cartola turco, que perguntou o preço do passe do atacante mas recebeu o não como resposta. Libânio só seria vendido após a excursão.


Candidato a presidente da FIFA, João Havelange se encontrou com a delegação do ABC na Iugoslávia. Partiu dele a indicação do clube ao empresário Elias Zacour.


Fora de campo, tirando o idioma, visto que a delegação foi acompanhada de um intérprete, os adversários mais difíceis foram a culinária estrangeira e, principalmente, a saudade dos familiares no Brasil. O zagueiro Telino, que por sinal está lançando um livro sobre a excursão (dezembro de 2016), revelou que lidou com a situação numa boa, e que alguns jogadores sofreram mais com a distância do que outros.


- Foi uma barra para muitos colegas, pois muitos eram recém-casados, outros estavam para casar, e a gente nunca pensou que passaria mais de três meses fora. Mas para mim, não. Eu era solteiro, tinha 25 anos, foi uma tranquilidade. Por mim eu ainda estaria por lá, não faria questão de voltar, não - declarou.


Segundo o ex-zagueiro Edson em um amistoso disputado na Grécia, o campo superava qualquer campinho de chão batido em que a equipe já havia jogado.


- O campo não era nem de chão duro. Era feito de pedra mesmo, parecia brita. Teve jogador do ABC que tirou as travas, que eram removíveis, para poder jogar nesse campo, porque iria escorregar demais. Esse foi o pior campo que nós jogamos. A gente fazia de tudo para não cair, era complicado - disse o ex-zagueiro.


Ao embarcar com destino à capital francesa, Paris, a delegação abecedista levou uma mala carregada de mantimentos. O que os potiguares não esperavam era que a mercadoria iria sumir logo na primeira parada.

“Ao sair do Brasil, nós levamos mantimentos para fazer feijoada. Mas na primeira escala, em Paris, nós perdemos a mala com a maior parte dos mantimentos. Ficamos apenas com o feijão”, contou Menezes.

“Para tentar amenizar a situação, Libânio foi até um açougue e na base de muita gesticulação conseguiu comprar algumas coisas. Mas a feijoada ficou um desastre”, falou em tom descontraído.


No Líbano foi difícil. Quando chegamos à cidade vimos muitos tanques de guerra na rua, e no estádio onde jogamos, em cima da arquibancada, haviam barricadas. Quando nós entramos no vestiário, tinham vários homens armados até os dentes com metralhadoras. Foi muito difícil, nós ouvíamos o barulho dos bombardeios e ficamos com muito medo. Passamos sufoco e não víamos a hora de sair de lá - declarou Edson.


E eles não ficaram lá por muito tempo. O único jogo foi contra a seleção do Líbano, que terminou em um empate em 1 a 1, com gol de Jorge Demolidor para o Alvinegro. Por pedido da delegação, que ouvira de um taxista libanês que já havia morado em São Paulo o boato de que a cidade poderia ser bombardeada, eles logo partiram para a Etiópia. Mas a estadia no Líbano não foi feita apenas de momentos tensos. Quando entraram no campo, os jogadores do ABC tiveram uma surpresa. 


- Quando a gente entrou no estádio, no Líbano, a gente viu uma bandeira do ABC e um cara gritando: 'Alberi, Alberi'. Daí a gente comentou: não é possível, até aqui tem abecedista? Eram uns libaneses que moravam em Natal e estavam de férias no Líbano - contou.


Mesmo longe do Brasil, os jogadores do ABC que estavam solteiros davam um jeitinho de paquerar com as meninas ao longo da excursão internacional de 1973. Nem mesmo o idioma era um obstáculo. O problema é que nem sempre isso dava certo, como aconteceu com Sabará na Turquia. Neste caso, sobrou para Anchieta, como conta o ex-zagueiro Telino.


- Sabará estava na janela do hotel, no segundo andar, e em frente tinha uma alfaiataria. O turco estava nessa alfaiataria trabalhando, e em frente dela estava uma garota, mas Sabará não sabia que ela era filha deste turco. Ele ficou fazendo sinal para a menina, gesticulando, e o turco ficou só observando. Foi quando Sabará desceu para o salão do hotel, e Anchieta, que assim como Sabará usava um cabelo black power, saiu para comprar sorvete na rua, e passou em frente à alfaiataria. Foi aí que o turco confundiu os dois e saiu correndo atrás de Anchieta com uma tesoura enorme na mão. Se Anchieta não fosse atleta, teria sido pego - contou Telino, aos risos. 


De uma situação delicada para outra um tanto quanto cômica, que aconteceu durante a estadia da delegação em Bucareste, na Romênia. Após o jantar, os jogadores alvinegros continuaram no restaurante do hotel para ouvir música e "dar uma olhada nas meninas", segundo o capitão Edson. Até que uma dessas meninas que circulavam pelo hotel, de forma muito simpática, se aproximou da delegação e colou alguns adesivos nas camisas dos jogadores. Os atletas logo perguntaram ao intérprete o que aquilo significava, e ele explicou que todos haviam sido convidados para um casamento que estava ocorrendo no salão de recepções do hotel. Comemorando a "boca livre", os atletas se dirigiram ao local imediatamente.


Anchieta foi confundido com Sabará na Turquia (Foto: Ribamar Cavalcante/Acervo Pessoal)


- Quando a gente chegou lá no salão de recepções, tinha uma mesa imensa, lotada de comida e bebida. Acontece que ninguém comia e nem bebia nada, só dançava. Depois de um tempo, as pessoas da festa, também muito simpáticas, pegaram o microfone e disseram: 'Au revoir'. E a nossa turma repetia. Eles insistiam em dizer isso e nós continuávamos a repetir o que eles diziam, pois pensávamos que era um tipo de grito de guerra. Até que eu me recordei do francês do colégio, e lembrei que 'Au revoir' quer dizer adeus. Aí eu pensei: estamos sendo expulsos do local. Eu perguntei se era isso mesmo e eles confirmaram. O difícil foi convencer o resto do pessoal a ir embora - disse Edson.


Depois, o intérprete explicou que o fato é tradição na Romênia, onde, após certo tempo da festa, apenas os familiares permanecem.


Mas confusão grande mesmo aconteceu na Tanzânia. Após um jantar onde toda a delegação estava presente, Jácio Fiúza, chefe da delegação e tesoureiro do clube, saiu da mesa e esqueceu sua capanga em cima da mesa. Quando voltou, Fiúza deu falta da capanga, que continha o dinheiro ganho pela equipe durante alguns amistosos anteriores ao fato, alguns milhares de dólares. A delegação e a polícia local procuraram o dinheiro, sem sucesso.


- Quem teve a ideia do que havia acontecido foi Telino, meu companheiro de zaga. Ele olhou em volta da mesa que estávamos sentados e percebeu que a limpeza tinha sido feita em torno de toda a mesa, menos em um ponto específico, que era exatamente onde Fiúza estava sentado. Aí Telino deduziu que foi o pessoal da limpeza. Nós falamos com o pessoal do hotel, mas nada foi encontrado. No dia seguinte nós estávamos indo para o aeroporto quando vimos um carro da polícia, que interceptou o nosso ônibus. Eles confirmaram que o furto havia sido feito pelo pessoal da limpeza e entregaram a capanga com todos os documentos, menos o dinheiro. Mas, no ano seguinte, quando o time da Tanzânia veio jogar em Natal, o governo deles trouxe o dinheiro e devolveu ao Fiúza - disse Edson.

























Jogadores do ABC em uma granja na Somália
(Foto: João Telino/ Acervo Pessoal)








Floriano, Erivan, Alberi e Anchieta na Etiópia
 (Foto:João Telino/ Acervo)

















Campanha da excursão
Data
Partida
Local
Gols
29/08
ABC 1 x 0 Fenerbahce
Turquia
Morais
31/08
ABC 2 x 3 Altaye
Turquia
Alberi e Jorge Demolidor
02/09
ABC 0 x 0 Manissa
Turquia
-
06/09
ABC 0 x 2 Panathinaikos
Grécia
-
10/09
ABC 0 x 0 Kastoria
Grécia
-
15/09
ABC 1 x 1 Seleção da Romênia
-
Jorge Demolidor
17/09
ABC 3 x 3 Arges Pitesti
Romênia
Danilo Menezes, Jorge Demolidor e Morais
19/09
ABC 0 x 1 Craióva
Romênia
-
23/09
ABC 0 x 4 Rapid DFC
Romênia
-
09/10
ABC 0 x 2 Constanza
Romênia
-
14/10
ABC 1 x 0 Zeljaznicar
Iugoslávia
Jorge Demolidor
17/10
ABC 0 x 0 Bugoyno
Iugoslávia
-
20/10
ABC 0 x 0 Bor
Iugoslávia
-
04/11
ABC 1 x 1 Seleção do Líbano
-
Jorge Demolidor
08/11
ABC 6 x 2 Seleção de Novos da Etiópia
-
Alberi (2), Jorge Demolidor (2), Danilo Menezes e Libânio
11/11
ABC 0 x 0 Seleção da Etiópia
-
-
16/11
ABC 3 x 0 Horsed
Somália
Alberi, Libânio e Soares
18/11
ABC 4 x 0 Kifnave
Somália
Alberi, Libânio, Valdeci e Anchietas
21/11
ABC 1 x 1 Seleção da Somália
-
Alberi
23/11
ABC 2 x 0 Seleção de Uganda
-
Alberi e Anchieta
25/11
ABC 0 x 0 Express
Uganda
-
27/11
ABC 4 x 0 Arms
Uganda
Jorge Demolidor (2), Alberi e Walter Cardoso
29/11
ABC 1 x 1 Norogoró
Tanzânia
Jorge Demolidor
30/11
ABC 0 x 0 Seleção da Tanzânia
-
-


Após retornar, no dia 18 de dezembro de 1973, o ABC enfrentou mais uma vez uma equipe estrangeira em um jogo amistoso. Agora era a vez da União Soviética encarar o time alvinegro que, depois de 105 dias poderia reencontrar sua torcida em um Castelão lotado. E apesar do empate em 2 x 2, (gols de Alberi e Demolidor para o time de Natal, Onishenko e Fedetov para os vermelhos) os moradores da cidade saíram em festa pela volta do clube do coração após tanto tempo.
Fontes de pesquisa:









Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ir para o Topo
"
"